segunda-feira, 6 de abril de 2009

UMA VIAGEM CHAMADA LEITURA

“...para ler é necessário que estejamos minimamente dispostos a desvelar o sujeito que somos ou que desejamos construir pela tomada de consciência de linguagem e de nossa história nos traços deixados pelas memórias particulares, coletivas e institucionais.”(YUNES, 2003 p. 10)



Despertei o gosto pela leitura muito cedo, ouvindo histórias contadas por tios, avós, pessoas mais velhas, em casa e nas rodinhas que fazíamos à noite nas calçadas da rua onde morava. As luzes da cidade apagavam às dez horas e, como não existia televisão, as crianças se reuniam na rua para brincar de roda, de bola e tantas outras brincadeiras. Era também o momento de sonhar, viajar no mundo encantado do faz de conta, hora de conhecer e ler os livros infantis que a nossa vizinha ganhava de sua mãe. Momento muito bom! Acho que era eu quem mais gostava deste momento, pois queria ficar mais tempo rodeada de livros. Ah! Era como se estivesse vivendo naquele mundo! Eu me transportava para dentro de todas aquelas histórias.

Meus primeiros contatos com a escola, não me lembro bem. Eu sei que ela funcionava na garagem da casa da professora. Chamava-se Escola Isolada, por quase não existirem Grupos Escolares. Comecei lendo o ABC, depois a Cartilha. Recordo-me que fui a primeira da turma a ler as palavrinhas soltas. A escola não trabalhava com a leitura contextualizada. O professor oferecia as letras representando sons vogais e sons consoantes bem como suas respectivas combinações para que o aluno escrevesse e lesse palavras, frases, depois períodos e textos.

Até a primeira série do Ensino Fundamental meus irmãos e eu morávamos na cidade com meu pai. Quando eu tinha três anos, a minha mãe faleceu, meu pai casou-se novamente, achando que conseguiria uma pessoa para cuidar das suas oito crianças. Mas não foi o que aconteceu. Os meus irmãos mais velhos começaram a entrar em conflito com a minha madrasta. O meu pai se viu obrigado a mudar para o sítio com ela, levando os três filhos mais novos. Eu tive que ir junto, pois eu era a sétima. Morando no sítio, minha leitura de mundo cresceu muito. Todos os dias, meus irmãos e eu percorríamos o caminho do sítio onde morávamos até a escola do outro lado da cidade, na maioria das vezes a pé, às vezes achávamos uma carona com algum conhecido.. Era uma aventura! Ah! Como era bom! Dessas idas e vindas, a imagem dos lugares por onde passávamos todos os dias para chegar à escola e as aventuras vividas nesse percurso ficaram marcadas na minha mente. Foram momentos de grande aprendizado. Era difícil, mas ao mesmo tempo divertido, pois existia o lado bom que era poder observar e curtir as belezas da natureza, perceber a renovação do campo, o encanto das diversas cores, sentir os diversos aromas: cheiro de mato, de terra molhada, de ar puro... hum! diferentes sabores dos frutos, a descoberta das personagens das histórias fantásticas dos contos de fada: bruxas, fadas, duendes, príncipes nas várias formas apresentadas pelas nuvens no céu.. Que maravilha! o lúdico, a descoberta, o imaginário estavam presentes. Uma viagem fantástica! Quanto aprendizado! Quanta leitura fazia ali! Pena que para a escola isso não tinha valor.

Aos doze anos, fugi do sítio do meu pai e fui morar com meus outros irmãos na cidade. Lá, tive contato com muitos livros. Foi a partir daí que intensifiquei a leitura, graças ao meu irmão mais velho, que foi uma espécie de pai para nós. Ele gostava muito de ler e sempre comprava ou levava livros bons para casa. Li O Pequeno Príncipe, Pollyana Menina, Pollyana Moça; muitos livros de Jorge Amado, Machado de Assis, José de Alencar, Papilon, Adelaide Carraro e tantos outros. Adorava revistas em quadrinhos; sonhava com o meu primeiro amor lendo as fotonovelas nas revistas Sétimo Céu, Contigo... Eu gostava tanto de ler que cheguei a desejar que a polícia me prendesse para eu ficar só lendo e ninguém me perturbar. Que loucura a minha!

O primeiro livro que eu comprei foi “Éramos seis”! Li e reli muitas vezes, pois me identificava com alguns personagens. Quando transformaram o livro em novela, eu fiquei muito animada, aguardando para assisti-la, pois gostei muito do livro. Mas, que decepção! Percebi que nada era como eu havia imaginado! Os personagens e os ambientes... tudo era diferente! Como eu era ingênua! Claro, pois criamos as imagens na mente de acordo às descrições do autor.

É uma pena que nem todas as pessoas conseguem ou conseguiram despertar o gosto pela leitura. Talvez por falta de incentivo de alguém ou falha da escola, pois nós sabemos que se a pessoa não gostar do que faz jamais vai conseguir convencer o outro a fazê-lo.

A escola tem mudado muito, para melhor, buscando cada vez mais melhorar a qualidade da educação. Hoje sabemos que o leitor é parte essencial do processo, pois ele tem vivências e conhecimentos de mundo que servem para operacionalizar os processos de leitura. Não cabe mais ler por ler. É preciso que se tenha um objetivo de leitura, seja ele de ler para se informar, ler para se divertir, pelo prazer de ler, para dramatizar, produzir textos... O professor precisa refletir sobre sua prática e propiciar aos alunos situações significativas de leitura, lembrando que leitura e escrita são processos que se interagem. Se quisermos leitores e produtores de textos competentes, a escola precisa observar como acontece essa interação, para que os alunos desenvolvam habilidades de leitura e produção de textos, apropriando-se desses processos, participando deles e tendo oportunidade de analisar e construir seu próprio percurso para realizar leituras e produções que considerem necessárias e importantes, lembrando que é preciso ler para escrever e escrever para ler.

Um comentário:

  1. Dora, eis o desafio: ensinar a ler e, sobretudo, o gostar de ler. Sua história e sua trajetória revelam o sabor do conhecimento. Parabéns pela perseverança! Isabel

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